O mercado de ativos digitais foi sacudido por um forte movimento de aversão ao risco no início de novembro de 2025, quando os fundos negociados em bolsa (ETFs) de Bitcoin e Ethereum nos Estados Unidos registraram uma surpreendente saída líquida combinada de quase US$ 800 milhões em um único dia. Mais precisamente, a terça-feira marcada por essa turbulência viu um êxodo de US$ 797 milhões, um evento que catapultou o sentimento do mercado para o território de “medo extremo”, forçando investidores institucionais a uma reavaliação tática de suas posições.
Esta onda de resgates não foi um incidente isolado. Pelo contrário, ela representou um ponto culminante de uma sequência de cinco dias consecutivos de saídas para os fundos de Bitcoin, totalizando cerca de US$ 1,9 bilhão drenados do ecossistema de ETFs de criptomoedas. A magnitude desse movimento sinaliza uma mudança decisiva no posicionamento institucional e reflete uma profunda inquietude em relação ao ambiente macroeconômico global.
A Decomposição dos Números e os Fundos Impactados
A cifra de US$ 797 milhões se distribuiu de forma significativa entre os dois principais ativos. Os ETFs de Bitcoin spot absorveram o maior impacto, registrando uma saída líquida de US$ 577,74 milhões. Este valor marcou a maior saída de um único dia para os fundos de BTC desde 1º de agosto.
Vários gigantes do setor sentiram o golpe. O ETF da Fidelity, o FBTC, liderou as perdas com uma retirada substancial de US$ 356,6 milhões. Em seguida, o ARKB da Ark & 21Shares viu US$ 128 milhões em resgates, enquanto o renomado GBTC da Grayscale registrou uma saída de US$ 48,9 milhões. Ao todo, sete fundos de Bitcoin reportaram fluxos negativos naquele dia.
O Ethereum, que recentemente viu o lançamento de seus próprios ETFs, também não foi poupado. Os ETFs de Ethereum spot registraram saídas líquidas de US$ 219,37 milhões. O ETF ETHA da BlackRock foi o mais afetado, com um fluxo negativo de US$ 111 milhões, seguido por resgates em fundos de Grayscale e Fidelity. A única nota positiva no panorama dos ativos digitais monitorados por ETFs foi o Solana, que, após sua estreia recente, registrou entradas líquidas de US$ 14,83 milhões, embora tenha sido o menor volume desde seu lançamento.
Os Motores Macroeconômicos da Fuga
Para os analistas, este não é um simples “pausa”, mas sim uma “recalibração” tática impulsionada por uma gestão de risco mais conservadora. O principal catalisador dessa aversão foi a postura de linha-dura adotada pelo Presidente do Federal Reserve dos EUA, Jerome Powell. A mensagem “hawkish” de Powell no mês anterior dissipou as esperanças do mercado de um corte garantido nas taxas de juros em dezembro, um movimento que seria benéfico para ativos de risco.
O resultado imediato dessa comunicação foi o fortalecimento do índice do dólar americano (DXY), que ultrapassou a marca de 100. Como o Bitcoin e outros ativos digitais são frequentemente negociados em correlação com ativos de risco tradicionais, especialmente o setor de tecnologia (Nasdaq), o endurecimento da política monetária e a valorização do dólar tornam o custo de capital mais alto e reduzem a atratividade de investimentos especulativos como o cripto.
Além da política do Fed, a incerteza macroeconômica foi amplificada pelo noticiário político. O shutdown (paralisação) em curso do governo dos EUA adicionou uma camada extra de imprevisibilidade, exacerbando o medo no mercado e levando o Índice de Medo e Ganância (Fear and Greed Index) a despencar de 42 para apenas 21 em um dia, caindo na zona de “medo extremo”.
A Perspectiva Institucional e a Estrutura Bullish Persistente
Apesar do pessimismo generalizado, a análise institucional sugere que a estrutura fundamental de longo prazo do mercado de cripto pode permanecer intacta. A venda de grandes volumes é interpretada como um movimento de reposicionamento e não necessariamente uma perda de fé no ativo. Em um ambiente onde o “trade de IA” parece superestendido e as avaliações no setor de tecnologia podem reverter, a correlação do cripto com esses mercados o expõe a uma pressão de venda reativa.
No entanto, a visão otimista argumenta que os fundamentos macroeconômicos de longo prazo não se alteraram de forma drástica. Um corte de juros adiado é um revés de curto prazo, mas o mercado ainda se move em direção ao fim do aperto quantitativo (QT) e a cortes de juros que inevitavelmente virão, mais cedo ou mais tarde.
Para os investidores que mantêm a convicção, a atual volatilidade e as quedas de preço (o Bitcoin caiu 2,7% nas 24 horas, e o Ether 4,7%) são vistas como turbulências esperadas em um mercado de alto risco. A estrutura de alta se mantém, mesmo que o sentimento esteja no que alguns consideram ser o “fundo do poço”.
A reacumulação e a reversão da tendência de resgates dependerão de uma mudança no tom macroeconômico global: um dólar americano mais fraco, o fim da incerteza política e, talvez, o surgimento de novas narrativas poderosas, como o crescimento da tokenização de ativos do mundo real. Até que isso ocorra, a pressão de preço e a volatilidade devem persistir, com o mercado de ETFs atuando como um barômetro sensível do apetite por risco global.