Com a entrada massiva das criptomoedas em Wall Street, a engenharia financeira tem se tornado um elemento fundamental no mercado cripto. Wall Street há muito tempo domina a arte criativa de transformar a complexidade em uma verdadeira máquina de impressão de dinheiro. Mas como fazem isso? Por meio da engenharia financeira — uma disciplina que envolve estruturar dívidas, patrimônio e derivativos para extrair retornos de maneiras que muitas vezes desafiam a lógica convencional. Esse manual não apenas gerou fortunas astronômicas, como também quase provocou o colapso financeiro de 2008. Agora, essa complexa engenharia de dinheiro está sendo aplicada no mercado de criptomoedas, trazendo uma nova dimensão para o setor.
Um dos principais exemplos dessa transição é Michael Saylor, cuja empresa, a MicroStrategy — agora rebatizada simplesmente como Strategy — foi pioneira ao começar a adquirir Bitcoin como um ativo de reserva corporativa e como sinal para o mercado. O que realmente marcou inovação não foi apenas a compra e a manutenção do BTC, mas a forma como a empresa financiou essas aquisições. A Strategy emitiu notas conversíveis e ações para captar recursos, que eram então usados para comprar mais bitcoins. Cada anúncio desse tipo gerava uma valorização nas ações da empresa, facilitando novas captações e criando um ciclo virtuoso de crescimento.
Esse modelo logo chamou a atenção do mercado e foi amplamente replicado. O que começou como uma aposta no Bitcoin transformou-se em uma nova estratégia de gestão de tesouraria: anunciar aquisições, impulsionar as ações, captar fundos, comprar mais criptomoedas, observar o aumento no preço das ações e repetir o ciclo. A Animoca Brands Research apelidou esse mecanismo de “Infinite Money Glitch” — uma espécie de falha infinita na criação de capital.
E essa estratégia não ficou restrita ao Bitcoin. Empresas menores passaram a aplicá-la em altcoins populares como XRP, Ethereum (ETH) e Solana (SOL). A razão para esse movimento está na maturidade relativa dos mercados: enquanto o Bitcoin já passou por ciclos bem definidos e consolidou seu valor, o mercado de altcoins ainda está em seus estágios iniciais, oferecendo maiores oportunidades de crescimento e lucratividade para quem adota essa abordagem.
De acordo com a pesquisa da Animoca, aplicar o modelo de “flywheel” — um ciclo contínuo de financiamento e compra — nas altcoins proporciona uma janela mais ampla para ganhos e crescimento sustentável. Dados recentes mostram que, no dia do anúncio de estratégias focadas em altcoins, as ações das empresas envolvidas subiram em média 161%, mantendo ganhos elevados nos dias seguintes, chegando a 226% após um mês. Isso evidencia a forte receptividade do mercado a essas novas estruturas financeiras.
Curiosamente, apesar da valorização das ações dessas empresas, os preços das altcoins subjacentes não apresentaram grandes variações, sugerindo que investidores preferem adquirir esses “wrappers” negociados em bolsa — que proporcionam exposição indireta às altcoins — em vez de comprar os tokens diretamente. A ausência de ETFs altcoin no mercado limita as opções tradicionais de investimento, tornando essas empresas um canal privilegiado para exposição institucional.
Para investidores, os ganhos de curto prazo são difíceis de ignorar, e enquanto o apetite por essa engenharia financeira permanecer, o fluxo de capital para essas estratégias deverá seguir intenso. Porém, a grande questão é se esse modelo é sustentável a longo prazo.
Analistas da Animoca alertam que uma possível mudança no sentimento do mercado ou uma queda prolongada nos preços das altcoins pode representar riscos elevados, especialmente pela alavancagem envolvida nessas operações. Ainda assim, a tendência destaca a existência de um vasto mercado para produtos financeiros estruturados que unem finanças tradicionais e ativos digitais.
Por enquanto, o “Infinite Money Glitch” parece estar funcionando e conquistando espaço. Resta saber por quanto tempo esse ciclo será sustentável, mas a engenharia financeira cripto já provou que veio para ficar — pelo menos por enquanto.