Em 20 de janeiro, Donald J. Trump tomou posse como o 47º presidente dos Estados Unidos enquanto o país enfrentava uma tempestade política — e especialmente econômica. Não há dúvida de que os EUA continuam sendo líderes globais, mas esse status está sendo abertamente desafiado por outros países e alianças econômicas. A China, segundo The Economist, estabeleceu metas públicas para superar o poder dos Estados Unidos até 2030. Alianças como os BRICS estão planejando criar uma moeda própria para uso entre seus membros, visando abandonar o dólar americano e desafiar sua dominância global.
As tarifas recíprocas impostas recentemente (em 02 de abril de 2025) a diversos países foram uma das contramedidas adotadas pela administração Trump para trazer mais dólares para dentro da economia do que para fora. Apesar da reação inicial negativa dos mercados, os EUA estão em ascensão, com novas tarifas gerando ao menos US$ 15 bilhões, segundo dados do Tesouro em abril. Mais de 50 países já estão buscando negociar acordos comerciais para reduzir os percentuais impostos, enquanto há prospecções de novos investimentos no território americano e possível retorno de instalações industriais ao país.
Além disso, para se manter como potência global, um país precisa liderar também em inovação e tecnologias disruptivas. Atualmente, as tecnologias disruptivas são a Inteligência Artificial e o Blockchain. Enquanto a China proibiu o Bitcoin em 2020, os EUA, sob Trump, adotam uma abordagem diferente, com regulações mais claras que geram um ambiente estável, incentivando a inovação e o crescimento econômico — que tende a aumentar se a economia americana estiver forte.
Durante a guerra comercial de 2018–2020 entre EUA e China, as tarifas sobre GPUs e outros equipamentos de chips forçaram mineradores a saírem da China, alterando toda a geografia do hash power. Após a normalização dos custos, muitos investimentos foram feitos em instalações alimentadas por energia renovável nos EUA.
É justo dizer que essas tarifas não afetam apenas bens de consumo — elas atingem também energia, logística e infraestrutura de hardware, especialmente no setor blockchain. Se está mais caro importar máquinas de mineração, sistemas de refrigeração e equipamentos do exterior, um movimento estratégico seria dobrar os investimentos em infraestrutura e eficiência energética domésticas.
É justamente aqui que os DePINs (Redes de Infraestrutura Física Descentralizada) começam a ganhar valor, com potencial de alcançar US$ 3,5 trilhões até 2028. Projetos antes vistos como nicho ou experimentais agora se tornam economicamente racionais. Microgrids tokenizadas, contratos de energia peer-to-peer e infraestrutura computacional localizada não apenas são inovadores, como também oferecem uma alternativa viável para proteger operações blockchain contra a volatilidade do comércio global. Assim como as tarifas forçaram a reindustrialização nos EUA no início dos anos 2020, agora estão acelerando a descentralização da infraestrutura física por pressão econômica — não ideológica.
Outra consequência dessas tarifas pode ser analisada sob uma perspectiva semelhante à da curva de Laffer — só que entre nações. À medida que tarifas ou sanções aumentam, alguns países buscam rotas alternativas para evitar os custos impostos, criando não apenas novas rotas econômicas, mas também logísticas e físicas.
Por exemplo, o Smoot-Hawley Tariff Act de 1930 elevou os impostos de importação a níveis recordes, impulsionando inovações logísticas com rotas “ao redor do mundo” que evitavam portos dos EUA. A análise histórica mostra que empresas que investiram em novas tecnologias de roteamento obtiveram vantagens de custo no longo prazo — sugerindo que provedores logísticos baseados em blockchain podem se beneficiar da conjuntura atual de maneira semelhante.
Além disso, a Rússia sofre sanções dos EUA desde o início da guerra contra a Ucrânia e, mesmo tendo proibido pagamentos com cripto em 2022, agora os adota de forma seletiva. Criou uma corretora de cripto que exige que os usuários sejam “investidores qualificados” (com mais de US$ 1,2 milhão em ativos ou US$ 600 mil de renda anual), atraindo capital de elite e contornando sanções — há relatos de empresas russas de petróleo utilizando BTC e ETH para comércio com China e Índia.
Para avaliar o impacto real das tarifas recentes no ecossistema blockchain, faz sentido observar alguns elementos-chave:
- Mudanças no volume comercial e nos tipos de produtos afetados;
- Fluxo de investimentos, principalmente em infraestrutura blockchain, fontes de energia e logística;
- Adoção de sistemas financeiros alternativos, como cripto ou moedas regionais;
- Mudança nas rotas e parcerias comerciais, sinalizando surgimento de novos caminhos para evitar restrições.
Esses fatores, juntos, ajudam a entender se os desenvolvimentos atuais são reativos ou parte de uma transformação estrutural de longo prazo.
No fim das contas, guerras tarifárias não são novidade. A disputa econômica por influência é antiga. O que muda — e importa — é onde essas tarifas incidem. Não podemos tratar uma tarifa sobre bananas da mesma forma que uma sobre GPUs ou ASICs. Por isso, o impacto deve ser medido não apenas pela porcentagem, mas pelo setor atingido.
Ao focar no ecossistema blockchain, o setor tende mais a se beneficiar do que a sofrer. Sim, o hardware pode ficar mais caro, mas com os DePINs e novas estruturas surgindo, energia e computação podem vir de locais sem barreiras comerciais. Não é um beco sem saída — é uma mudança de rota.
Mais ainda, o blockchain trata de acesso, e tarifas não barram acesso. Se algo, elas apenas destacam a necessidade de sistemas melhores — e o blockchain foi feito para isso: conectar pessoas, construir confiança e reduzir atritos no comércio global.
Estamos caminhando para um mundo onde a tecnologia blockchain não apenas tornará o comércio mais aberto e transparente, mas também atuará diretamente na gestão de tarifas e sanções. Smart contracts podem ser criados para aplicar embargos ou regras alfandegárias automaticamente — sem intermediários, sem negociação — apenas código executando o que foi programado. Isso é poderoso. E é por isso que, mesmo no meio de uma guerra comercial global, o blockchain não está apenas sobrevivendo — está evoluindo.
Autor: João Pedro Sena