O governo federal, por meio da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), decidiu manter a suspensão do oferecimento de incentivos financeiros em criptomoedas em troca da coleta de dados biométricos no Brasil. A decisão atinge diretamente a empresa responsável pelo projeto World, que realiza o escaneamento de íris em alta definição com a proposta de criar um sistema global de identificação digital baseado em blockchain.
A suspensão havia sido determinada inicialmente em janeiro deste ano, com base em preocupações relacionadas à privacidade e à proteção dos dados sensíveis dos usuários. O modelo de operação da empresa previa o pagamento em ativos digitais para pessoas que aceitassem escanear sua íris utilizando um dispositivo chamado Orb. Esse escaneamento gerava um identificador único, chamado World ID, que seria utilizado como prova de identidade digital em plataformas descentralizadas.
A ANPD entendeu que o oferecimento de recompensa financeira, especialmente em contextos de vulnerabilidade social, poderia comprometer o consentimento livre e informado dos cidadãos. O receio é que muitas pessoas, diante de dificuldades econômicas, fossem levadas a fornecer seus dados biométricos sem entender claramente os riscos e implicações de longo prazo. Dados biométricos, como a íris, são considerados sensíveis por sua natureza permanente e pelo potencial de causar danos em caso de vazamento ou uso indevido.
A empresa responsável pelo projeto recorreu da decisão, alegando que havia implementado melhorias na transparência e na segurança do processo. No entanto, após analisar os argumentos apresentados, a ANPD concluiu que as medidas adotadas não foram suficientes para mitigar os riscos inicialmente identificados. Dessa forma, manteve a suspensão de qualquer tipo de compensação financeira relacionada ao escaneamento de íris no Brasil.
Como alternativa, a empresa propôs um modelo de indicações, no qual usuários que trouxessem novos participantes ao sistema seriam recompensados com criptomoedas. O argumento era de que esse modelo é amplamente utilizado em diversos setores da economia e não exigiria diretamente o fornecimento de dados sensíveis. No entanto, a agência considerou que esse sistema, mesmo indireto, ainda está atrelado ao registro biométrico e, portanto, não elimina os riscos nem afasta os princípios legais violados.
Além das preocupações regulatórias, usuários que participaram da iniciativa relataram dificuldades no acesso aos valores prometidos. Muitos afirmam que não conseguiram realizar o saque das recompensas ou tiveram suas contas suspensas sem explicação. Há também relatos de falhas técnicas e ausência de suporte adequado, o que levanta questões sobre os direitos dos consumidores que aderiram ao programa.
O projeto World já enfrentava resistência em outros países, onde reguladores também questionaram o modelo de incentivo financeiro em troca de dados sensíveis. A decisão da ANPD reforça a postura cautelosa do Brasil em relação à proteção de dados pessoais, especialmente quando envolve práticas de monetização que podem afetar a autonomia dos indivíduos.
Com a suspensão mantida, o futuro do projeto no país permanece incerto. A empresa afirmou que seguirá buscando soluções legais para retomar as operações, mas precisará, antes disso, demonstrar que está em conformidade com as normas brasileiras de proteção de dados. A decisão da ANPD sinaliza um posicionamento firme do governo em defesa da privacidade dos cidadãos e da integridade no uso de tecnologias emergentes.