Nos últimos tempos, o Brasil deu um passo importante no caminho da formalização do setor de criptoativos com a publicação da Consulta Pública nº 109/2024 pelo Banco Central. Trata-se de um convite à sociedade para debater diretrizes que visam disciplinar o funcionamento das sociedades prestadoras de serviços de ativos virtuais, com o objetivo de criar um ambiente jurídico sólido e seguro para o segmento. A medida busca equilibrar inovação com proteção dos usuários, ao mesmo tempo em que estabelece requisitos claros de capital, governança e transparência informacional.
A proposta apresenta a instituição de três modalidades distintas para as empresas que atuam com criptoativos: intermediárias, custodiantes e corretoras, cada uma com funções bem definidas. As intermediárias seriam responsáveis pela intermediação e distribuição; as custodiantes, pela guarda e custódia; e as corretoras, por operar integralmente, combinando atividades como intermediação, custódia e negociação. Para atuar no Brasil, essas empresas devem atender a exigências específicas de capital social mínimo e patrimônio líquido, fixados em R$ 1 milhão para intermediárias, R$ 2 milhões para custodiantes e R$ 3 milhões para corretoras. Além disso, se oferecem serviços de apostas como staking ou contas margem — considerados de risco elevado — devem incrementar em R$ 2 milhões o capital mínimo exigido.
A proposta também permite que instituições já autorizadas pelo Banco Central, como bancos e corretoras, atuem com criptoativos, desde que cumpram as mesmas exigências regulatórias. Isso facilita o ingresso de players consolidados no mercado, aumentando a competição e reforçando a confiança do público.
Outro ponto importante diz respeito aos processos de autorização e transição. Empresas que já operam no mercado de ativos virtuais antes da entrada em vigor da norma terão prazo para se adequar e solicitar autorização formal. Quem não comprovar operações anteriores deve passar por um processo regular de autorização para iniciar suas atividades, e, em caso de indeferimento, deverá encerrar operações em até 180 dias.
A proposta destaca também a segregação de ativos, determinando que os recursos e ativos dos clientes fiquem separados dos da plataforma, por meio de contas de pagamento ou depósitos individualizados, com políticas documentadas que prevejam auditorias frequentes, provas de reservas e governança clara. A ideia é garantir que, mesmo em caso de falência ou problema operacional, os clientes tenham seus ativos protegidos.
A transparência tem papel central na proposta. As prestadoras de serviços devem divulgar informações claras sobre autorização regulatória, licenças, políticas de segurança e conduta, eventuais conflitos de interesse, contratos com terceiros envolvidos e os direitos e obrigações dos usuários. É obrigatória a indicação de canais de atendimento, incluindo suporte humano, e a comunicação imediata de qualquer mudança relevante aos clientes.
No tocante à governança e segurança, está previsto que as empresas implementem políticas robustas de proteção de chaves privadas, prevenção a fraudes, gestão de riscos, continuidade operacional, combate à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo. Devem contar com auditorias independentes periódicas, avaliações internas de vulnerabilidades e controles adequados aos serviços terceirizados, além de manter planos de recuperação operacional.
Além disso, há requisitos específicos para a seleção de ativos oferecidos ao público: políticas transparentes para listagem e deslistagem, categorização, análise de riscos e revisão periódica de ativos. No caso de stablecoins, é proibida a oferta de ativos virtuais com mecanismos algorítmicos de reserva — as reservas devem ser lastreadas por moeda fiat ou títulos públicos. As empresas devem divulgar os critérios que justificam a seleção desses ativos e esclarecer os direitos dos clientes em processos de resgate.
Se a proposta ainda está em fase de consulta, o impacto pode ser profundo. Uma regulação clara tende a atrair investidores mais cautelosos, fomentar a entrada de grandes instituições e criar um ambiente mais estável para startups e inovadores. Ao mesmo tempo, a exigência de capital elevado e a complexidade estrutural podem representar barreiras para empresas menores.
Em resumo, a Consulta Pública 109/2024 abre caminho para a formação de um marco regulatório sofisticado para criptoativos no Brasil, combinando rígidos requisitos de solvência, segurança e governança com expectativas de transparência e proteção ao consumidor. Se aprovada, a norma pode equilibrar inovação com estabilidade e colocar o país em posição de destaque entre as nações que buscam integrar com responsabilidade o mercado de ativos digitais à economia formal.